Eu fico meio deslumbrada aos domingos quando assisto a dois
programas de televisão: um é o Sr. Brasil, que passa na TV Cultura, e o outro é
o Esquenta que passa na Globo. Ambos
mostram a cultura brasileira do povão. Um de uma maneira mais elitizada e o
outro de uma forma mais escrachada, mas ambos mostram a cultura musical da
grande maioria da população, o que a pequena elite chama de povão, seja na roça
ou na cidade, ontem ou hoje.
O Sr. Brasil retrata
a cultura popular de anos atrás, então tornou-se meio “cult”, meio “chic”, mas
não deixa de ser a cultura musical do povão de anos atrás. O Esquenta retrata a
cultura musical do povão nos dias de hoje, valoriza aquilo que nós, os
hipócritas musicais, desprezamos: o funk, o pagode, enfim, as coisas que os
pobres gostam e ouvem.
Isso me fez pensar em Noel Rosa. O sujeito da década de trinta era de classe média, mas vivia enfronhado na favela, vivendo a cultura que rolava no morro naquele tempo. Quando Noel cantava
“Agora vou mudar minha conduta,
eu vou pra luta pois eu quero me aprumar
Vou tratar você com a força bruta,
Pra poder me reabilitar
Pois esta vida não esta sopa e eu pergunto:
Com que roupa?
Com que roupa eu vou
Pro samba que você me convidou?”
será que era tão diferente e tão mais genial do que quando Michel Teló canta
“Nossa, nossa
Assim você me mata
Ai se eu te pego
Ai ai se eu te pego...” ?
Dias atrás, o Esquenta rolando na TV, então uma pessoa me disse:
_ Eu gostava da Regina
Casé, mas não concordo com esta forma de programa de televisão popular que
mostra a favela como sendo uma coisa boa. Os favelados vivem à margem da
sociedade, são malandros e aproveitadores, querem viver à custa dos outros e do
governo.
Neste momento, o plantão da Globo informou a triste notícia de um incêndio na favela. É
o segundo que vejo acontecer nesta época próxima do Natal. Este tipo de coisa
me choca, porque os barracos de madeirite e papelão se incendeiam com
facilidade e rapidamente consomem o pouco que é o tudo para algumas famílias.
A
pessoa então me disse:
_ Bobagem se abalar
com isso! Eles fazem isso de propósito. Essa gente coloca fogo em suas próprias
casas, principalmente nesta época do ano, para tocar o sentimento das pessoas e
sensibilizar os governantes para que, acelerem a entrega de casas populares
prontas, assentando estas famílias que nem estão inscritas em programas de
habitação, às quais, depois de entregues, são vendidas, e estas famílias voltam
para os mesmos lugares e constroem novos barracos formando novas favelas.
Sei que isso realmente acontece, que gente mal intencionada
existe em tudo quanto é lugar. Só não se pode esquecer que este é um problema
cultural, e como tal, ligado à ignorância de um povo pobre e sem instrução. Não
se pode cobrar atitudes éticas e coerentes de gente que não teve oportunidade
de estudar nada, muito menos pensar o significado da palavra ética.
Será que o povo da favela é tão diferente do povo da cidade? Dinheiro não é sinônimo de cultura, e gente sem ética existe em tudo quanto é lugar. Cultura não é só o conhecimento intelectual, também é o conjunto de costumes de um povo. E nada é mais bonito do que admirar seu próprio povo e ser solidário com ele.