domingo, 28 de agosto de 2011

A gênese do preconceito é a ignorância

 Todos os domingos pela manhã lá estava ela, quentando-se no sol. Era uma negra tão preta que aquele negrume todo chamava atenção. O rosto sisudo remetia a uma estátua sem expressão; e era de meter medo.  A saia longa e o lenço amarrado na cabeça faziam com que aquela figura tivesse ares do começo do século passado.  
Foi em uma manhã de domingo que tudo aconteceu. Como de costume ela estava lá, em pé na esquina, quentando-se no sol, do lado oposto ao ponto de ônibus. Duas motos subiram a rua; uma Ninja com dois rapazes e uma Harley com apenas um. Estavam entorpecidos por álcool e cocaína, que usaram durante a noite toda de sábado. Eram os estereótipos perfeitos da figura “filhinho de papai soberbo”. Pararam na frente daquela figura nigérrima e o garupa da Ninja desceu. Chamou a mulher de “negra macumbeira do inferno”, deu-lhe uma rasteira que a levou ao chão e cuspiu sobre ela. Os outros dois que continuavam montados em sua ignorância, nem desceram das motos e também cuspiram sobre ela. O garupa também montou em sua ignorância e os três arrancaram dali.

No cruzamento foram surpreendidos por um caminhão Mercedez - desses antigos - que parou bem no meio da rua. Acabaram se chocando com o tal caminhão. Nada grave, mas as motos ficaram danificadas de maneira que não puderam sair dali. Quiseram então puxar briga com o motorista, mas respeitaram aquela figura bruta e sistemática.

A polícia foi chamada, por eles mesmos, para registrar a ocorrência. Afinal, aquele caminhão velho não devia estar ali. Um pequeno aglomerado de pessoas se juntou, tanto para levantar a negra do chão, como para acompanhar a ocorrência de trânsito.

Os três rapazes, nitidamente exaltados, contavam aos policiais que aquele caminhão, simplesmente, atravessou a rua e parou no cruzamento, que ele estava errado e precisava arcar com o prejuízo. Os policiais tentavam registrar a ocorrência, mas os rapazes estavam muito nervosos e confusos.  Eles então disseram: “podem perguntar o que aconteceu, todo mundo aqui viu!”. Mas as pessoas diziam não ter visto absolutamente nada, a não ser os rapazes humilhando a negra.

Apesar da gravidade dos fatos, foram condenados apenas a prestar serviço comunitário em uma favela.

Alguns meses depois, apresentaram-se à ONG que assistia menores em situação de risco na favela. Foram recebidos por um rapaz que ensinava os primeiros acordes musicais àlgumas crianças. Sem saber que tipo de trabalho comunitário os rapazes poderiam fazer, pediu que eles esperassem naquela sala, pois iria consultar o presidente da ONG para saber em que tipo de trabalho podia encaixá-los.

Enquanto aguardavam, os rapazes liam os murais das paredes que contavam a história daquele lugar. Foi fundado por Fela Abachia, que nasceu em uma comunidade pobre da Nigéria. O pai, após fazer o extirpamento do clitóris de Fela, quando ela ainda tinha 9 anos de idade, com um canivete -  situação que fez com que ela tivesse passado perto da morte por infecção – deu a filha em casamento a um comerciante em troca de um pequeno dote. Fela, então com 10 anos, era agredida e explorada pelo homem. Por ainda não ter oficializado o matrimônio, uma Comissão Internacional de Direitos Humanos conseguiu levá-la para um abrigo provisório. Adotada por um casal de americanos, Fela estudou, graduou-se e tornou-se Doutora em Sociologia e Antropologia. Em uma viagem ao Brasil, conheceu a Favela das Pedras, e fundou aquela ONG que ensinava música e informática à crianças da comunidade.

Os três rapazes, todos  estudantes de direito, impressionados com a história de vida de Fela Abachia, ficaram ansiosos para conhecer uma pessoa tão sofrida e tão admirável em sua capacidade de superação. A porta abriu, e Fela, a “negra macumbeira do inferno” veio recebê-los.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Pensando melhor: eu amo minha vida!

Domingo eu estava num velório. Encontrei um amigo, advogado, que fez a minha separação há 13 anos atrás. O corpo ainda não havia chegado e ficamos conversando do lado de fora do velório, dando algumas risadas. Isso é normal em velórios. Ele me contava que estava casado pela segunda vez, e tinha um bebê de seis meses. Dizia: “a vida continua, sempre é tempo de recomeçar”. Me perguntou se eu casei de novo, eu disse que não.

_ Mas você mora com alguém né?

_ Sim, com minha filha.

_ Mas você está sozinha há 13 anos?

_ Sozinha não, só não estou casada. Tenho meus relacionamentos, as vezes estáveis as vezes não.

_ Quando beijar alguém, olhe nos olhos da pessoa.

_ Ah sim, vou me lembrar disso.

Antes que eu olhe nos olhos de alguém, e caia em desgraça eterna, vale a pena pesar os prós e os contras.

Prós:

1 – Não gostaria de envelhecer sozinha;

2 – É bom dormir de conchinha;

3 – É bom fazer sexo com regularidade;

4 – tô pensando... péra aí...

Contras:

 1 – Detesto dar satisfação;

2 – A ideia de alguém, simplesmente achar, que pode mandar em mim é abominável;

3 – Se criticar minha desorganização: morre;

4 – Se for desorganizado: morre também;

5 – Se levantar a voz comigo vai engolir suas palavras;

6 – Meu sono é leve, não acostumo mais com roncos;

7 – Se ele quiser transar e eu não: normal;

8 – Se eu quiser transar e ele não:  vai acabar com a minha autoestima, vou achar que ele não me ama mais, vou achar que ele tem outra, vou ficar muito triste, muito mal humorada, e este  casamento não durará mais meia-hora;

9 – Se eu estiver escrevendo ele deve manter distância, me dar sossego, não abrir a boca, nem olhar o que eu escrevo antes que eu publique; (Afinal, respeito é tudo)

10 – Escuto minha vizinha apanhar do marido, pelo menos, duas vezes por semana; (se fizer isso, vai ser uma vez só)

11 – Gosto de animais, se implicar com os meus cachorros: morre também;

12 – Tenho memória de cachorro vingativo.

Considerando isso, vale a pena lembrar que: vou onde quero, como quero, quando quero e com quem eu quero. Dou satisfação a minha  filha e não durmo fora de casa, pois os cachorros tem que comer pelo menos duas vezes ao dia. Não vou concluir este texto porque isso é desnecessário.

Egoísta? Neurótica? E dái? Eu posso ser eu mesma!

               

domingo, 7 de agosto de 2011

O importante é que emoçoes eu vivi

   Estava assistindo o Marcelo Yuka sendo entrevistado e tive a confirmação de algo que eu já estava desconfiada: Devemos tocar a vida baseada no emocional e não no racional.

Desconsiderando a admiração que tenho pelo artista que ele é... Pensando bem, desconsiderando por quê? Só parei para ouvir as palavras que me serviram de inspiração para este texto porque tenho admiração pela figura dele.  Ele falava justamente de atitudes baseadas no amor.  Todo tipo de amor, entre homem e mulher, entre familiares, entre amigos, enfim... falava do amor que faz com que as pessoas se interessem pela vida das outras, pelos problemas e realidades daqueles que são próximos. Ele não disse exatamente empatia, mas acredito que estava se aproximando deste conceito. Ele falava mais da capacidade de amar do que da capacidade de se colocar no lugar do outro. Falava do amor que precisamos ter para saber compreender o outro.  
Eu sempre autoquestionei minhas atitudes. Achava que o fato de sempre agir guiada pelo coração e não pela razão tinha me tirado oportunidades e me causado problemas.  Cheguei a pensar que tudo podia ter sido muito diferente na minha vida se tivesse tomado atitudes mais racionais. Muitas vezes saí machucada e me decepcionei com as pessoas. Mas, pensando melhor, acho que mesmo assim o saldo ainda foi positivo. Talvez se tivesse sido somente racional não teria tido as oportunidades de ter vivido fortes emoções (com a devida licença de Roberto Carlos). Algumas boas, outras péssimas, mas emoções. (Roberto é que está certo: se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi.)
A vida não precisa ser cor de rosa. Ela é cruel, séria, difícil e injusta, mas também pode ser doce, desinteressada, leve, romântica e passional. De qualquer forma, o que nos difere dos outros animais é nossa capacidade de ter emoções. Então por que nos privarmos desta dádiva evolutiva tentando cada vez mais voltar a nos espelhar nos primatas?