domingo, 23 de dezembro de 2012

Viver sem tempos mortos

Este texto é simples e muito verdadeiro. Belíssimo! 


"A impressão que eu tenho é de não ter envelhecido embora eu esteja instalada na velhice. O tempo é irrealizável. Provisoriamente, o tempo parou pra mim. Provisoriamente. Mas eu não ignoro as ameaças que o futuro encerra, como também não ignoro que é o meu passado que define a minha abertura para o futuro. O meu passado é a referência que me projeta e que eu devo ultrapassar. Portanto, ao meu passado eu devo o meu saber e a minha ignorância, as minhas necessidades, as minhas relações, a minha cultura e o meu corpo. Que espaço o meu passado deixa pra minha liberdade hoje? Não sou escrava dele. O que eu sempre quis foi comunicar da maneira mais direta o sabor da minha vida, unicamente o sabor da minha vida. Acho que eu consegui fazê-lo; vivi num mundo de homens guardando em mim o melhor da minha feminilidade. Não desejei nem desejo nada mais do que viver sem tempos mortos."


( Simone de Beauvoir)

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Desci porrada

Aquela mulher chegou na Promotoria dizendo que queria retirar a representação feita contra o marido. Ele estava preso desde sábado por ter ameaçado a esposa.

Pensei: Mais um daqueles casos em que a mulher sofre violência doméstica, mas por causa de uma estranha dependência afetiva, fica com pena do infeliz e procura tirá-lo da cadeia.

Enquanto pegava as declarações dela, perguntei se ela gostaria de alguma medida protetiva para garantir que ele ficasse longe dela. Ela disse que não.

Pensei:  Já quer o infeliz de volta...

Eu estava enganada. Que ótimo!

Ela disse que não queria medida protetiva pois estava indo morar com sua irmã em outra cidade. Que estava retirando a representação porque a família dele tinha pedido. Perguntei se ela não tinha medo dele persegui-la quando saísse da cadeia. Ela disse que acreditava que ele não ia mais importuná-la.

Saindo, já na porta ela disse: Apanhei durante 10 anos em silêncio. Entrei no jiu jitsu e sábado, quando vi que ele ia me bater, desci porrada e acabei com a raça dele. Ele está lá na cadeia todo roxo.

ADOREI!!!

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Eu apenas queria que você soubesse...


Detesto poesia.


Camões que me perdoe, mas aquele negócio de métrica e rima para o meu gosto é mais matemática que literatura.

Mas dias atrás - não me lembro quem nem qual era o assunto - ouvi alguém dizer que poesia não é uma sequência de versos, mas é tudo aquilo que desencadeia emoção. 

Olhando desta maneira, hoje me emocionei com um filme que é pura poesia. Fui com minha filha assistir Gonzaga – de pai para filho. Eu sabia que ia me emocionar porque as músicas de Gonzaguinha sempre me levaram às lágrimas e as músicas de Gonzagão sempre me trouxeram muita alegria.
As músicas em si ficam em segundo plano no filme, sem deixar de serem colocadas como um pano de fundo perfeito para cenas feitas com uma sensibilidade ao mesmo tempo doce e atroz. Inclusive o filme tem também músicas de Noel Rosa e Nelson Gonçalves colocadas em situações perfeitas que dão perfume às cenas.


Os conflitos vividos entre pai e filho me fizeram lembrar de uma reunião que ocorreu esta tarde para discutir o problema de evasão escolar. Vi aqueles adolescentes revoltados, mal-educados, sem disciplina, junto de pais desorientados por não saber qual atitude correta a tomar com eles. Agradeci a Deus pela filha que tenho. Lembrei que, assim como Gonzaguinha, também fui uma adolescente difícil. MInha mãe, assim como Gonzagão, não tinha a receita para criar um filho, mas fez o que estava a seu alcance. Se não tinha muito tato afetivo, proporcionou a melhor educação possível. Carrego muitas mágoas criadas neste período, e com certeza, deixei cicatrizes profundas em minha mãe.

Minha maior preocupação até hoje foi tentar fazer diferente com a minha filha. Apesar de filho não vir com bula, acredito que tive sucesso nisso.  Distanciando-me das situações e olhando minha vida de frente como se fosse um filme, também vejo poesia nela. Ela não é perfeita, não tem métrica nem rima, seus versos nem sempre foram alegres e nem sempre foram bonitos, mas dentro de um contexto só meu, ela tem poesia e me emociona.

Se eu tivesse a oportunidade de dizer alguma coisa a minha mãe hoje, eu diria:

Eu apenas queria que você soubesse 
Que aquela alegria ainda está comigo 
E que a minha ternura não ficou na estrada 
Não ficou no tempo presa na poeira 

Eu apenas queria que você soubesse 
Que esta menina hoje é uma mulher 
E que esta mulher é uma menina 
Que colheu seu fruto flor do seu carinho 

Eu apenas queria dizer a todo mundo que me gosta 
Que hoje eu me gosto muito mais 
Porque me entendo muito mais também 

E que a atitude de recomeçar é todo dia toda hora 
É se respeitar na sua força e fé 
E se olhar bem fundo até o dedão do pé 

Eu apenas queria que você soubesse 
Que essa criança brinca nesta roda 
E não teme o corte das novas feridas 
Pois tem a saúde que aprendeu com a vida...

Link: http://www.vagalume.com.br/gonzaguinha/eu-apenas-queria-que-voce-soubesse.html#ixzz2EtHxNB8Q